segunda-feira, 14 de julho de 2014

UM BAND-AID PARA 800 CRIANÇAS.


13/07/2014
Postado por: Extra.globo.com - Brasil
FLÓRIDA, EUA
A primeira ligação da manhã é a que acorda Nora Sandigo, 48 anos, que atende um dos três telefones que mantém ao alcance da cama. “Olá. Como posso ajudar?”, diz porque alguém está sempre lhe pedindo ajuda. Ela se levanta, toma café às pressas e toma notas enquanto escuta. “Sebastian. 12 anos. Cidadão dos EUA”, escreve ela. “Pai deportado. Mãe detida”.
Nora Sandigo chega carregada de doces para um almoço oferecido em Miami, em 7 de junho. As crianças nasceram nos Estados Unidos de pais que não tinham status legal no país. Alguns foram deportados, e outros enfrentam a perspectiva de remoção. A maioria das crianças no almoço estão sob sua guarda legal, e serão alojadas e cuidadas por ela caso os pais sejam deportados.
“Ok, sim. Eu posso fazer isso”, diz , e logo está em sua minivan, munida de um caderno com sua sua lista de afazeres para o dia. Ela tem que preparar o almoço para 120 crianças, entregar material escolar para outras 13, levar cinco para escolas de todo a Grande Miami, ajudar a encontrar alojamento para três, levar duas ao médico, uma ao psicólogo e outra para visitar um parente detido por violações de imigração.
“Cada criança é uma bênção”, diz um adesivo afixado no interior de seu carro, comprado por ela quando começou a cuidar de crianças cidadãs americanas de pais deportados, em 2009. Passaram-se cinco anos e hoje são 812 bênçãos a mais. “Toda criança também é um trabalho”, diz enquanto seu celular toca de novo.
Nora é a solução mais popular de Miami para um problema crescente que afeta o que o governo chama de “famílias de status mista”. Um quarto das pessoas deportadas dos Estados Unidos afirma serem pais de menores americanos, o que significa que mais de 100 mil crianças no país perdem um pai para a deportação a cada ano. Alguns milhares deles perdem pai e mãe. “Órfãos da imigração” é o termo usado pelo governo para se referir a este grupo.
Muitos saem do país com seus pais. Dezessete são encaminhados para o sistema de adoção dos EUA por dia. Outros procuram novos tutores, cidadãos americanos como Nora, para proteger os seus interesses legais nos EUA. Para estas crianças, o acordo significa que eles podem permanecer no país onde nasceram vivendo com parentes ou amigos que estão ilegalmente no país, sem medo de serem levados em custódia pelo Estado.
Para Nora, isso significa que os armários em seu pequeno escritório estão agora cheios de certidões de nascimento, fotos de bebê, cartões de Segurança Social, passaportes e formulários para 812 crianças que vivem em 14 estados, na faixa etária de 9 meses a 17 anos. Apenas duas vivem com ela, e com Nora cobrindo parte dos custos, o resto pode ficar com amigos ou parentes. Ela faz isso como voluntária e muitas vezes com custos próprios, não porque se considere capaz de fornecer uma rede de segurança para 812 crianças, mas porque ninguém mais faz isso. O governo federal não controla o que acontece com os filhos de pais deportados, e funcionários estaduais ou federais não monitoram quantas crianças Nora tem ou quantos tutores como ela existem em comunidades de imigrantes em todo o país.
Ela havia assumido a guarda dos dois primeiros filhos em 2009, como um favor para um amigo peruano. Sua mulher havia sido detida durante uma operação de imigração, e suas filhas nascidas nos EUA tinham sido encaminhadas pelo Estado.
“Quem melhor poderia cuidar deles, o amigo pediu, do que Norma, que tinha sido separada de seus próprios pais aos 17 anos, enquanto fugiam da guerra na Nicarágua e, em seguida, tornou-se uma ativista pela reforma da imigração?”.
“Me desculpe, mas eu não tenho certeza de que posso”, respondeu ela, pensando em primeiro lugar sobre suas próprias responsabilidades: duas filhas biológicas se tornando adolescentes, um marido, um negócio de pequenas casas de repouso e uma fazenda na fronteira dos Everglades.
Mas então Nora foi visitar as duas meninas em uma casa de ajuda na cidade: uma tinha começado a ver um médico para depressão e a outra já matava aulas em sua nova escola.
“Como não podemos ajudar?”, ela questionou o marido, e assim assinaram a papelada para seus dois primeiros filhos — que em cinco anos se tornariam mais 810. “La gran madre” é como algumas dessas crianças a chamam. A grande mãe.
Para um porta-voz do Departamento de Crianças e Famílias da Flórida ela é uma “anomalia escondida no sistema”, já que as autoridades federais e estaduais costumam deixar as decisões de tutela para os pais e os encarregados de educação não monitoram o que foi decidido a menos que haja uma queixa de abuso ou negligência.
Ela, por sua vez, diz ser um “band-aid”.
— Tudo o que posso fazer é conter um pouco o sangramento. Não há nenhuma maneira de dar o amor e a atenção que elas precisam, mas tenho que ser eu. O sistema está quebrado. Ninguém mais está assumindo a responsabilidade por eles.
Depois de ficar em seu escritório até depois das 22h, servindo-se de muito café, Nora continua procurando documentos pelos armários de arquivo, até que finalmente tropeça em um item esquecido. É uma caixa de suco vazia agora preenchida com algumas dezenas de guardanapos e pedaços de papel, dados a ela por pais que estavam ilegalmente no país durante um churrasco na semana anterior. Em cada pedaço de papel está escrito o nome de um pai que em breve poderá ser deportado. Abaixo de cada nome, uma lista das crianças que podem em breve ser deixada para trás. “Famílias de status mista”, diz, folheando os pedaços de papel, sabendo que há pelo menos 4,5 milhões de famílias assim que vivem nos Estados Unidos.
Ela puxa um guardanapo a partir do meio da pilha e lê uma lista com cinco nomes. Elena, 14. Angelica, 11. Andres, 10. Martina, 7. Diana, 2. Na parte inferior do guardanapo um endereço em Homestead, cerca de 30 quilômetros ao sul de Miami, e uma breve nota dirigida a Nora. Agora, em vez de 812 crianças americanas, ela está pensando em cuidar de 817.
“Por favor, ayudanos“, diz o bilhete. Por favor, nos ajude.
“FAMÍLIA DE CAUSAS PERDIDAS”
Poucas horas antes de mais um evento para cerca de 150 crianças em sua casa na fazenda, o marido de Nora a convence a fazer uma curta caminhada pelo rancho. Raymundo também é da Nicarágua e se casou com ela há sete anos, o segundo casamento para ambos. Ele herdou primeiro suas duas filhas biológicas, em seguida, duas meninas peruanas. Logo, todos os outros, além de alguns cães e um gato também deixados para trás depois das deportações.
— Uma família de causas perdidas — diz.
Ele pede que Nora tire umas férias, mas ela não quer. Ele pede que Nora vá para a cama mais cedo: ela se deita ao lado dele e espera até que ele adormeça, então bebe mais um café e volta a checar seus e-mails por mais algumas horas. Os dois têm gasto cerca de US$ 10 mil dólares de seu próprio bolso por ano para comprar suprimentos e podem gastar muito mais — uma vez que os advogados alertaram que poderão ser responsabilizados se alguma das 812 crianças sejam maltratadas ou negligenciadas pelos parentes com quem estão vivendo. O medo de que isso aconteça mantém Nora no escritório sete dias na maioria das semanas, reverificando seus arquivos, repetindo os nomes das crianças em voz alta.
A única pausa que ela concede ao marido são esses passeios na fazenda, 30 minutos sem celulares sob as palmeiras, as gaivotas e o céu da Flórida. Não muito tempo atrás, ela era a adolescente de 17 anos que tinha sido separada de sua família, enviada para os Estados Unidos com um visto de turista para contar com a bondade de estranhos aleatórios. O diretor de uma organização de refugiados a ajudou a pedir asilo e, em seguida, deu-lhe um emprego.
— Você está certo. Isso provavelmente é uma loucura — diz, andando com o marido por um pequeno celeiro.
Mas em vez de falar sobre as maneiras para diminuir o ritmo, ela começa a listar novamente o trabalho que pretende fazer. Quer comprar um prédio e transformá-lo em um dormitório supervisionado para os filhos de pais deportados. Contratar um psicólogo em tempo integral. Tentar fazer com que o Departamento de Segurança Interna reconsidere quem deporta, priorizando os interesses das crianças americanas.
E ela quer, mais do que qualquer coisa, terminar a reformulação de uma ação em nome das 812 crianças contra o presidente americano, Barack Obama. O processo alega que o governo dos EUA tem violado os direitos civis de crianças americanas e faz com que elas passem por um “sofrimento extremo, grave e irreparável” desde que o Congresso reformou as prioridades da imigração, em 1996. Antes disso, as crianças garantiam tinham direito de residência permanente para os pais que não tinham status legal nos Estados Unidos, desde que eles vivessem no país por pelo menos sete anos e tivessem boa conduta.
Mas o Congresso, preocupado com sua própria política, que tinha criado sua própria forma de anistia incentivando os imigrantes a vir e ter filhos para legalizar sua situação — os bebês âncora —, fez uma mudança: os infratores da imigração não teriam mais sua proteção garantida por causa de seus filhos americanos.
— Precisamos de outra reunião com os advogados para ganhar impulso. Precisamos de uma presença em Washington, patrocinadores no Congresso, talvez algum tipo de manifestação.
http://boainformacao.com.br/2014/07/um-band-aid-para-800-criancas/

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