domingo, 10 de agosto de 2014

ADOÇÃO: LAURA VIVE TRISTE ESPERA; JOÃO ESBANJA ALEGRIA


Menina sonha com um lar; menino vive a alegria da adoção
10/08/2014
Daniela Penha
Jornal A Cidade

Quando a pergunta é sobre futuro, a resposta de Laura (nome fictício) é cortante: “Eu me imagino seguindo a vida sozinha”. Daqui a 11 dias, ela completa 17 anos. Não programou “nada de mais”, como tem sido desde sempre. “Eu nem queria uma pessoa para chamar de mãe e pai. Queria só uma referência. Alguém com quem eu possa contar”, avisa.
Depois de uma vida em abrigo, Laura esgotou as esperanças de ganhar uma família. “Na minha idade, ninguém quer adotar. Eu até penso em rejeição. Todos da minha turma já foram adotados e eu continuo aqui”, explica. Ela é deficiente visual. Já perdeu totalmente a visão de um olho e pouco a pouco está perdendo a do outro.
O juiz da Infância e Juventude em Ribeirão Preto, Paulo Gentile, aponta que, entre as sete crianças e adolescentes que aguardam adoção em Ribeirão Preto, cinco têm algum tipo de deficiência, seja leve ou grave, e todos têm mais de 8 anos, o que dificuldade mais o processo. O promotor Luis Henrique Paccagnella pontua que a adoção de crianças especiais acontece, no máximo, duas vezes ao ano. “São casos raros.”
Ler e escrever poesias está entre as coisas de que Laura mais gosta. Teimando com a deficiência, ela se esforça. Usa letras ampliadas, adora filosofia e quer ser psicóloga. “Eu quero ser um cidadão diferente. Honrar a escola pública”, conta. Sabe que, daqui um ano, quando fizer 18, a profecia do triste futuro que traçou pode se cumprir. Caso ela não encontre um lar, terá que deixar o Acolhimento Institucional Nosso Clubinho e seguir a vida. “Eu não sei o que vai ser de mim.”

ADOÇÃO MUDA VIDAS
Do outro lado da cidade, o futuro tem outra cor. João Victor, 12, sorri toda vez que a mãe se aproxima. “Ele entende tudo. Tem dias que parece me agradecer”, diz Vilma Pimenta. O nome de João não é fictício como o de Laura. Ele encontrou família e sua vida é feliz. Não há sofrimento que precise ser preservado. “Ele sofria maus tratos, estava internado. Eu era contra a adoção, mas me apaixonei quando soube da história de superação dele. Depois que conheci, em 11 dias ele era meu filho”, emociona-se Vilma.
Diferente das adoções de crianças normais, a adoção especial é mais rápida, pela pequena quantidade de pessoas dispostas a abraçar crianças com deficiências.
João Victor nasceu prematuro, teve falta de oxigênio no cérebro e, com menos de dois meses, uma meningite que deixou sequelas. Para Vilma, nada disso é tão importante quanto o amor que sente. “Ele é meu tudo. Quem é o príncipe da mamãe?”, derrete-se.
Adotou o pequeno com 5 meses. O filho não anda, não fala e precisa de atenção integral. Ela, então, largou o trabalho. Não foi só pelo desejo de ser mãe. Vilma tem seis filhos biológicos e 12 netos. Foi mais. Foi amor, do tipo que não se explica. “É gratificante.”

MÁQUINA DE BRAILE É ÚNICA LEMBRANÇA
Laura não aprendeu braile, mas guarda uma máquina de escrever como única lembrança de sua família. “Meu avô me deu quando eu tinha 6 anos. Ele até gravou meu nome nela. Olha aqui o que está escrito”, ela mostra a máquina verde, com a plaquinha onde seu nome aparece, com sobrenome e tudo.
Guarda no armário que divide com uma menina no abrigo. Lá, também estão seus livros. “Vai ter que tirar do lugar para a foto? Eu arrumei tudo hoje!”, cuidadosa, faz de tudo para manter seu pequeno espaço organizado.
O avô de Laura morreu no ano passado. Ela conta que costumava visitá-lo de vez em quando. Os pais da menina morreram quando ela era bem pequena e nenhum parente pode cuidar dela. Agora, prestes a completar 18 anos, ela é preparada para se emancipar.
“A gente prepara os maiores para a independência. Não podemos desanimá-los em relação à adoção, mas também não podemos dar muitas esperanças”, explica a assistente social da Turma do Clubinho, Lívia Masson.
Laura vai seguindo por esse caminho. Conta orgulhosa que já ganhou concurso de redação e mostra a carta que escreveu aos funcionários do acolhimento, como homenagem. “Posso dizer que tenho orgulho de morar onde eu moro e, quando eu sair daqui, vou dizer obrigada diretores, educadores” – o texto, mesmo um ano antes, já tem tom de despedida.
Vilma e o carinho por João Victor: dedicação quase que exclusiva e muito amor em retribuição (Foto: Milena Aurea / A Cidade)
http://www.jornalacidade.com.br/noticias/cidades/NOT,2,2,978138,Adocao+Laura+vive+triste+espera+Joao+esbanja+alegria.aspx

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