domingo, 10 de agosto de 2014

IDADE AFASTA JOVENS DE NOVA FAMÍLIA


10/08/2014
Daniela Penha
Jornal A Cidade
Famílias que procuram adotar preferem bebês com deficiências do que adolescentes com saúde perfeita, diz promotor

Você acha que uma família vai querer um marmanjão? Se for para adotar, vão adotar os pequenos.”
Eduardo (nome fictício) não cultiva esperanças. Está certo de que vai completar a maioridade no acolhimento Turma do Clubinho.
O menino já tem 15 anos e um passado de histórias tristes. Foi criado mais na rua do que em casa. A mãe abandonou os nove filhos e a ele não restou muitas escolhas. Viveu um mundo de drogas e perigo – um perfil dificilmente aceito por quem busca adotar.
O promotor Luis Henrique Paccagnella pontua que, hoje, é mais fácil encontrar famílias dispostas a adotar bebês com deficiências do que adolescentes com saúde perfeita. “A partir dos 6 anos, já fica complicado encontrar famílias dispostas a adotar”.
Das sete crianças e adolescentes que estão aptos a adoção em Ribeirão Preto, seis tem mais de 11 anos e cinco tem algum tipo de deficiência. Apenas Ana tem 9 anos e, pela hiperatividade e déficit de atenção, foi adotada e devolvida duas vezes.
Na região toda, de acordo com matéria publicada pelo A Cidade no mês passado, a cada cinco que aguardam um lar, quatro são adolescentes ou pré-adolescentes.
Paccagnella não nega que haja dificuldades na adoção de crianças mais velhas ou adolescentes. “É claro que eles carregam um histórico, mas são questões que podem ser trabalhadas”, diz. E explica que, quando o casal quer apenas bebês, com histórico bom, o tempo para adoção pode chegar a oito anos.
“A pessoa não é obrigada a aceitar um perfil que não deseja, mas o pretendente tradicional, que só aceita bebês saudáveis, sem históricos de drogas na família, irá demorar muito mais para conseguir adotar”.
Eduardo já pensa no futuro sozinho. Faz aula de computação, frequenta oficina de rap e até compôs uma música. Vai matando o menino brincalhão e carente que ainda é. “Segue na luta até hoje e assim será. Eternamente um leão por dia matará”, diz sua letra.

A IMPORTÂNCIA DO APOIO
Na ONG Crescendo em Família, famílias que querem adotar e as que já adotaram, encontram apoio. Há 10 anos, a instituição acompanha os pais antes e depois da adoção, com encontros em grupo, palestras, assessoria psicológica. “Nós acolhemos essas famílias. Quando a família tem respaldo, se sente mais segura”, diz Anamaria Caviola, presidente da ONG.
Na Apae, pais e filhos com deficiências também encontram apoio. Elaine Gomes, diretoria técnica da Apae, explica que, quando os pais adotam cientes das deficiências da criança, encontram menos dificuldades para lidar com os desafios do que pais biológicos que são surpreendidos pela deficiência no nascimento. “Esses pais não medem esforços. Levam uma vida de luta. Tentam de tudo e, muitas vezes, abrem mão da vida pessoal”.
Elaine também explica que a Apae busca cuidar tanto dos pais quanto dos filhos, com equipe multidisciplinar e atendimento personalizado. “Cada família é de um jeito, enfrenta um tipo de dificuldade.”

ELAS TAMBÉM SONHAM COM FAMÍLIA’
“Em uma adoção, seja ela de criança com deficiência ou não, é importante que a família esteja capacitada para dar suporte aos questionamentos que podem surgir. Uma criança com deficiência pode precisar de suporte integral. O apoio antes da adoção é fundamental para explicar à família que o que ela está se propondo a fazer é muito importante. Nos grupos de apoio, nós falamos muito sobre as crianças mais velhas, as crianças com deficiências. Não para obrigar os pais a adotarem, mas para que eles tenham consciência de que essas crianças existem e gostariam imensamente de ter uma família. Elas também sonham com uma família. No Brasil, é cultural adotar bebês pela ideia de que “eu crio do meu jeito”, “é mais fácil de criar” e pelo sonho da criança idealizada, do recém-nascido, que que remete à maternidade biológica. Mas, ao invés do primeiro passo, na adoção você tem o primeiro dia que o seu filho está com você. É um novo olhar. Se a família não estiver preparada, não adianta forçar.”
Anamaria Caviola Presidente da ONG Crescendo em Família
Eduardo já se sente “marmanjão” para o processo de adoção e perdeu a esperança de encontrar uma nova família para adotá-lo (Foto: Milena Aurea / A Cidade)
http://www.jornalacidade.com.br/noticias/cidades/NOT,2,2,978146,Idade+afasta+jovens+de+nova+familia.aspx

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