segunda-feira, 11 de agosto de 2014

IRMÃOS ADOTIVOS COMEMORAM DIA DOS PAIS EM DOSE DUPLA EM GUARAREMA


10/08/2014
Carolina Paes Do G1 de Mogi das Cruzes e Suzano
Meninos de 9 e 11 anos foram adotados por casal homossexual. Apesar de ser uma 'família diferente', eles dizem que não há preconceito.

Além de quatro homens, a aconchegante casa em Guararema tem dois gatos e três cachorros. Os enfeites que começam no hall de recepção e se estendem por todo o imóvel dão o tom do cantinho. Na sala, fotos do casal, das crianças e da família retratam o amor escolhido por eles. Há um ano a família do radialista Marlon Rodrigues do Nascimento, 33 anos, e do companheiro, o comissário de bordo Alessandro Soares Pereira, 34, dobrou de tamanho.
Depois de passar por uma pequena burocracia, o sonho da paternidade do casal, que vive junto desde 2007, se tornou realidade. Em agosto de 2013 o primeiro filho, César Augusto Paes Inácio, de 10 anos se mudou para a casa deles em Guararema. Alguns meses depois foi a vez de John Cleiton do Nascimento de Oliveira, de 12 anos, aumentar a alegria dos papais. Esse será o primeiro Dia dos Pais com a família completa.
Apesar da família ser um pouco fora dos padrões convencionais, o preconceito não tem espaço entre os filhos. O tempo todo os meninos chamam Marlon e Alessandro de pai. Sem contar com as constantes demonstrações de carinho. César é mais grudado com o radialista, enquanto que John fica mais do lado do pai Alê.

“Eu já tinha perdido a esperança de ser adotado. Não esperava. Aqui aprendi a ter educação" John, 12 anos

Passear, sair para comer e viajar são as diversões favoritas dos homens dessa família. Aos 10 anos, César já tem, inclusive no currículo, um passeio pela Grécia e Itália. “O que eu mais gostei foram as comidas. A pizza da Itália é diferente. Parece de pão, mas é gostosa”, responde a “magali” da família como César é conhecido pelos pais.
Bola de gude, carrinhos e videogame são as brincadeiras favoritas desses irmãos que aprenderam a dividir o quarto e o amor dos pais. “Foi legal ser adotado porque arrumei uma família. Ter dois pais é diferente, mas legal. Faço dois presentes na escola. Meus amigos sabem e é tranquilo”, responde tímido César. Para agradar um dos pais, César ainda diz querer ser comissário de bordo, mas o futuro profissional ainda confunde. “Quero voar igual o pai Alê, e também ser médico para cuidar da vovó”, conta.
Já o mais velho gosta mesmo de viver em uma casa só de homems. “Eles brigam menos. Estranhei um pouco quando cheguei, mas já acostumei. Temos que dar dois presentes e amor para os dois. Nem todos os meus amigos sabem”. John viveu desde os três anos em um abrigo em Itaquera e tem 15 irmãos.
Desde que chegou na casa do casal, em Guararema, ele diz que aprendeu muita coisa. “Eu já tinha perdido a esperança de ser adotado. Não esperava. Aqui aprendi a ter educação. Gosto de ter meu quarto. Já viajei até de avião”, conta. Um dia antes de dar entrevista ao G1, ele e Alessandro tinham passado um dia em Manaus. Foi a primeira experiência dele com a profissão do pai. “Lá estava calor e a comida é pesada. Gostei quando o avião desceu”.
E como toda casa, além do carinho há também as brigas de irmãos e as regras. Por conta disso, os irmãos sabem bem dizer quem é o pai mais rigoroso. “O pai Alessandro é mais bravo quando a gente apronta e o Marlon é mais brincalhão”, diz John com a ajuda do irmão César.

COMEÇO DE TUDO
A história de Marlon e Alessandro começou por acaso depois que se conheceram pela internet. Em pouco tempo, eles resolveram ir morar juntos e construir uma história. “Não somos casados no papel. Nossos filhos já são um vínculo enorme. Fomos morar juntos um mês depois porque se gosto quero estar perto. Aos poucos fomos construindo coisas juntos”, conta o comissário de bordo.
Para Marlon o desejo de ser pai sempre foi algo presente. A dedicação ao trabalho em televisão e rádio adiou um pouco o sonho. Mas isso só até conhecer o companheiro. “Para minhas amigas, que me conhecem há anos, eu sempre dizia que um dia eu gostaria de adotar e ser pai, pois sempre fui voluntário em abrigos. Dois anos depois que conheci o Ale começamos a falar de adoção. Ele sempre falou também do sonho dele de ser pai”, revela o radialista. Outro fator que incentivou a busca pela adoção foi a avó dele, que morreu em 2012. “Ela [avó] sempre foi minha maior incentivadora. Infelizmente ela morreu sem poder conhecer os bisnetos”, diz.
A opinião da paternidade sempre foi bem aceita pelo companheiro Alessandro. “Sempre quis ser pai. Não pensava em adoção até conhecer o Marlon porque achava que seria um processo difícil. Porém depois fui percebendo que não era bem assim e quis entrar na lista de adoção”, revela o comissário de bordo.

Ser homossexual, para mim, é algo genético. O que eles vão ser futuramente profisional ou sexualmente independe. Vamos amar e aceitar. E essas escolhas só dependem deles” Alessandro Pereira

ADOÇÃO
Pelo ritmo de vida do casal, eles buscavam crianças maiores com idade acima dos 6 anos. Para realizar o sonho de serem pais, Marlon e Alessandro não esbarraram judicialmente em preconceito nenhum.
Foram seis meses de idas e vindas em orfanatos, lista de espera no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e espera para liberação da habilitação. “Toda vez que eu saía de casa para conhecer uma criança, a ansiedade tomava conta. Ai chegava no local e ai não tinha aquele sentimento: É esse!”, lembra. “Durante este tempo foram também muitas assistentes sociais ligando para que fossemos conhecer de diversos lugares do Estado de Sao Paulo. Como queríamos uma adoção tardia foi bem mais fácil. O prazo é de no máximo sete meses”, explica Marlon. Alessandro também lembra do processo. “Algumas assistentes sociais foram um pouco preconceituosas, talvez desconfiadas, mas não tivemos problemas nos trâmites”.
Em julho de 2013, Marlon foi até Bauru com a sogra e lá conheceu César de apenas 10 anos. Ele conta que foi amor a primeira vista. “Fiquei encantado com o jeito dele e a carência que ele demonstrava. Sem saber quando cheguei lá já gostei dele. Em seguida ele conversou com o Ale no telefone e fiquei animado. Passou duas semanas e nada de resposta do fórum. Dias depois nos ligaram para ir buscar o César”, revela. “Ele chorou muito quando fomos buscá-lo. Ele já tinha sido devolvido de uma outra adoção”, lembra o radialista.
Depois de serem habilitados para adoção foram apenas seis meses até chegar ao primeiro filho. E a guarda de César, veio uma semana antes do Dia dos Pais do ano passado. “Em 2 de Agosto de 2013, veio a Guarda Provisória para fins de adoção. Ouvir pai foi uma emoção grande. Até achei que nem era comigo”, lembra Marlon. Alessandro é mais reservado sobre o momento. “Estava meio que preprado sabe? Foi natural, mas emocionante”.
Durante o processo de adoção de César, o casal já conhecia John, de 12 anos, que vivia em um abrigo de Itaquera, em São Paulo. O menino já passava alguns dias na casa do casal, que sempre apadrinhou crianças orfãs. “Aos poucos ele foi nos cativando, e o César queria um irmão mais velho. Em todo acompanhamento no fórum, o Cesinho falava que queria o John como irmão. Em abril deste ano, pedimos a guarda e já no mês seguinte nos deram a guarda definitiva”, afirma.
Em dois meses John vai receber oficialmente o sobrenome dos pais e vai passar a chamar- John Soares Nascimento. Já César terá que esperar mais um pouco.
A guarda dele ainda é provisória, renovada a cada seis meses, porque a mãe ainda não fez a destituição. “A mãe perdeu a guarda por não cuidar direito dele e dos irmãos. Ele tem uma irmã lá em Bauru que também foi adotada. Se até os 12 anos o fórum não resolver a situação ele pode escolher com quem vai ficar”, explica Marlon. “Apesar disso, na medida do possível, a gente deixa os meninos terem contato com os irmãos. Achamos importante”, conta Marlon.
E a paternidade do casal pode aumentar em breve. Eles ainda pensam em levar um ar feminino para casa. “Ainda queremos adotar mais uma criança. Dessa vez quem sabe um bebê e uma menina”, responde animado o radialista.

PATERNIDADE DUPLA
Como pais que são, o casal diz que divide bem as tarefas. Sempre que podem, os dois fazem questão de ir levar ou buscar os filhos na escola e participar do dia a dia deles.
As brincadeiras com a paternidade vão além daquelas feitas diariamente com os filhos em casa com videogame ou na mesa da cozinha durante o café. Bem-humorado, Marlon descontrai a entrevista. “Ser pai é uma benção. Depois que virei pai apareceu até meu primeiro fio de cabelo branco, acredita? “, declara aos risos.
E é nesse clima que o radialista também fala sobre o preconceito da família ser composta por 'dois pais'. “As crianças nascem sem preconceito. Quem incute isso neles são os adultos. Quando falamos que queríamos adotar, explicamos que somos uma familia diferente. Eles aceitaram sem preconceito. Quando o John chegou queria saber o que eu e o Alê éramos. O Cesinha explicou e ok. Sempre falamos sobre isso com eles”, revela. “Na escola também conversamos e tivemos cuidado com tipo de comentários que podem vir. Eu não ligo para o que falam”.
O comissário de bordo revela ainda que se preocupa mais com futuros comentários maliciosos que os filhos podem sofrer na escola ou em outro lugar. “Eu tinha medo de algum amiguinho falar 'seu pai é gay'. Mas a gente sempre orientou como eles devem agir e que crianças que falam sobre isso não são evoluídas, mas até agora a gente não passou por nada”, conta. “O César já chegou a ficar triste na escola no Dia das Mães. Mas explicamos que avó é mãe duas vezes e ai ela acompanhou e tudo ficou bem. A gente vai resolvendo as coisas que aparecem na tranquilidade. Nossas famílias no começo tinham receio da adoção, mas hoje amam os netos”.
Sobre a possível influência sobre as crianças viveram em um meio homossexual, Alessandro é enfático. “Acho que isso não influencia em nada. Ser homossexual, para mim, é algo genético. O que eles vão ser futuramente profisional ou sexualmente independe. Vamos amar e aceitar. E essas escolhas só dependem deles”, diz.
Marlon e Alessandro vivem com os filhos, cachorros e gatos em Guararema (Foto: Carolina Paes/G1)
John e pai passaram um dia juntos em Manaus (Foto: Alessandro Soares Pereira/ Arquivo Pessoal)
Marlon e Alessandro vivem juntos desde 2007; casal se conheceu pela internet
(Foto: Alessandro Soares Pereira/ Arquivo Pessoal)
Irmãos dividem sem preconceito quarto e amor de dois pais (Foto: Carolina Paes/G1)
Família reunida- inclusive com uma das avós- faz passeios e viagens (Foto: Alessandro Soares Pereira/ Arquivo Pessoal)
Alimentação na casa do casal mudou; além de ser mais saudável, guloseimas também estão mais presentes (Foto: Carolina Paes/G1)
Diversão da família está presente até na hora de comer na cozinha da casa (Foto: Carolina Paes/G1)
http://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2014/08/irmaos-adotivos-comemoram-dia-dos-pais-em-dose-dupla-em-guararema.html
Marlon e Alessandro vivem com os filhos, cachorros e gatos em Guararema (Foto: Carolina Paes/G1)

Nenhum comentário: