quarta-feira, 6 de agosto de 2014

PROMOTORA DEFENDEU INCLUSÃO DE NOME FICTÍCIO NOS CASOS DE ADOÇÃO FEITA POR SOLTEIROS


01/08/14

Um parecer da Promotora de Justiça Norma da Mota Sales Lima, concedido de forma inédita em Pernambuco no último mês de junho, considerou justa a solicitação feita judicialmente por um pai solteiro, de inclusão do nome de uma mulher inexistente na certidão de nascimento do filho, hoje com 3 anos.
O parecer foi acatado pela juíza Paula Maria Malta Teixeira do Rêgo, da 11 Vara de Família e Registro da Capital. Segundo alegou o pai, a ausência do nome da mãe no documento vinha gerando constrangimentos e problemas, já que o nome da figura materna é sempre exigido em alguns momentos, como na matrícula da escola.
Para a Promotora Norma Sales Lima não havia nenhum problema em incluir um nome fictício para a mãe "já que a adoção é um ato que rompe os vínculos com os pais biológicos e parentes naturais, não sendo possível colocar o nome da mãe biológica na certidão de nascimento". Porém, ela alertou para o fato de que esse nome deveria ser diferente do da mãe biológica, a fim de evitar problemas futuros.
O parecer e a posterior decisão judicial repercutiram na grande imprensa, tendo sido publicada matéria sobre o assunto na edição do Jornal do Commercio do dia 12 de junho. Abaixo publicamos na íntegra o parecer subscrito da Promotora Norma da Mota Sales Lima:
LEIA A ÍNTEGRA DO PARECER

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DO RECIFE
Proc. nº 0087424-78.2013.8.17.0001
Autor: Z. R. V., representado por seu genitor, A. R. V. G.
AÇÃO DE INSERÇÃO DE NOME MATERNO FICTÍCIO NO REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO

MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL
Trata-se de Ação de Inserção de Nome Materno Fictício no Registro Civil de Nascimento, proposta por Z. R. V., representado pelo seu genitor, A. R. V. G., conforme consta da exordial de fls. 02/07.
Alega na peça vestibular que o autor foi adotado pelo Sr. Amaury, após ação de adoção cumulada com destituição do poder familiar, tendo sido o menor Z. R. V.. registrado constando somente o nome do genitor, o então adotante, A. R. V. G.
Ocorre que, por ser incomum da Certidão de Nascimento constar somente o nome paterno, o requerente e seu genitor vêm passando por situações de constrangimento em diversos ambientes, chegando a ser exigido a apresentação de um nome materno.
Requer que seja declarada a maternidade fictícia do menor, inserindo o nome de sua genitora biológica, e subsidiariamente pede um outro nome materno qualquer, a fim de preencher a lacuna existente.

É o relatório, passo a opinar.

Analisando os fundamentos do presente pedido, é necessário considerar que o nosso sistema jurídico, assim como a doutrina, consagra o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente. A proteção integral e especial à criança e ao adolescente está assegurada no art. 227 da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 3º (Lei nº 8.069/1990) , sob a influência das diretrizes da Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), ratificada pela Convenção Sobre os Direitos da Criança (1989), que priorizou o interesse do menor em todas as decisões adotadas por instituições públicas e privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos.
Assim o princípio que deverá sempre prevalecer quando em confronto com outros valores, será o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, por sua condição especial de pessoa em desenvolvimento, a fim de assegurar-lhes o pleno e integral desenvolvimento físico e mental como futuro sujeito de Direito.
Os fatos relatados pelo representante do menor autor, na exordial, não foram previstos quando da época da adoção. No entanto, como bem disse o genitor do autor, a sociedade ainda não está preparada para aceitar um pai solteiro, e se a paternidade não declarada já causa constrangimento a uma pessoa, imaginemos a ausência do nome da mãe!
Aliás, é cediço que o sistema jurídico brasileiro vem somando esforços para que seja evitado qualquer tipo de constrangimento à criança registrada com um único pai, a exemplo dos vários projetos e mutirões de reconhecimento de paternidade que se espalharam no Brasil nos últimos anos.
Conforme esclarece o Promotor de Justiça Sdney Fiori, do MP/TO, citado pelo IBDFAM, em trecho que coleciono a seguir, a privação do nome paterno pode ocasionar situações vexatórias para a criança, a saber:
Sidney Fiori defende que o não reconhecimento da paternidade pode trazer diversos prejuízos ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, uma vez que “os coloca em situação de constrangimento e de privações no campo do Direito de Família, interferindo diretamente no seu direito à dignidade (...)”.
Se vivemos numa sociedade na qual a independência feminina leva cada vez mais a uma situação em que é considerado comum ser registrado somente com o nome materno, e, mesmo assim, esses filhos são vítimas de discriminação, imaginemos uma situação no qual o filho não tem no seu registro nome materno. No mínimo, é previsível que ao longo da sua vida ele passará por situações constrangedoras, na qual terá que expor sua condição de adotado para justificar a situação singular que é a ausência do nome materno no registro de nascimento e em demais documentos de identificação.
O Direito moderno prioriza a autoestima do indivíduo frente às relações sociais, a superação dos muros do preconceito e a aceitação em sociedade. Evita-se adjetivos, principalmente aqueles capazes de fomentar algum tipo de segregação negativa, como no caso do estado de filiação, que não admite qualificação: não há, perante a Justiça, distinção entre filhos adotivos ou biológicos, somente há filhos, sem adjetivos, e todos devem ser tratados iguais, perante o Direito e a sociedade. Nesse sentido, o ECA, em seu art. 47, §4º, expressamente dispõe:
“Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão. § 4o Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro”.
Isso demonstra o espírito do legislador em evitar que o assento de registro civil seja utilizado como instrumento de discriminação. Negar o pedido de nome materno fictício, exarado na inicial, é ignorar a evolução do nosso sistema jurídico-legislativo no sentido de evitar tratamento preconceituoso em relação a quem se encontra inserido num contexto familiar que seja distinto do modelo tradicional de família, aquele decorrente da cultura patriarcal que por tanto tempo foi considerado o único “modelo correto”, provocando a marginalização de todos aqueles que divergissem dessa imagem.
Nessa situação, entendo perfeitamente aplicável o art. 18 do Pacto de San José da Costa Rica (1969), ratificado pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, e recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro como norma supralegal, segundo entendimento conclusivo do STF. In verbis:

“Artigo 18 - Direito ao nome
Toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esse direito, mediante nomes fictícios, se for necessário.” [grifei].
A necessidade de aplicação do dito dispositivo é corroborada pelo Princípio da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, adotado pelo nosso sistema jurídico, a fim de assegurar ao autor a necessária proteção ante o preconceito e discriminação social, para que cresça sem temores, desenvolva sua personalidade, adquirindo autoestima, sem sequelas do preconceito causado pela insensibilidade e desconhecimento da sociedade.
Uma vez ultrapassada a possibilidade de aplicação do art. 18 do Pacto de San José da Costa Rica, cumpre agora discorrer sobre o pedido de que seja utilizado o nome da mãe biológica da criança, de forma ficta. Entendo que tal pleito não se afigura possível, uma vez que vai de encontro ao provimento jurisdicional exarado na ação de adoção cumulada com a destituição de poder familiar, cujo pedido foi julgado procedente. Além disso, é pacífico na jurisprudência e na doutrina brasileiras que a adoção, regra geral, rompe qualquer vínculo com a família biológica:
Esse vínculo [adoção] tem caráter irrevogável e atribui ao adotado os mesmos direito do filho natural, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com os pais biológicos e parentes naturais, ressalvando-se os impedimento matrimoniais.[grifei]
Cabe, portanto, a opção pelo pedido subsidiário formulado na inicial, a saber, para que seja utilizado um nome materno ficto qualquer, a fim de preencher a lacuna existente. Todavia sem que haja a inclusão de avós maternos, por entender que a averbação do nome da genitora biológica, em face da destituição do poder familiar, não é juridicamente possível, diante da incompetência do juízo, e da discussão sobre a coisa julgada.
Diante do exposto, opina este Órgão Ministerial pelo deferimento do pedido de averbação de nome materno fictício no registro de nascimento do menor, sem nomes de avós maternos. Ademais, pugno pela intimação do genitor do menor, para que se manifeste acerca do nome materno ficto que deseja incluir na Certidão de Nascimento do seu filho.
Recife, 22 de novembro de 2013.
NORMA DA MOTA SALES LIMA
Promotora de Justiça

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