quinta-feira, 16 de outubro de 2014

ARTIGO DE SERVIDORA DA VIJ ABORDA QUANDO E COMO CONTAR SOBRE ADOÇÃO


15/10/2014
Por SECOM/VIJ
A ansiedade e as dúvidas são comuns entre mães e pais adotivos quando o assunto é revelar a adoção. Para ajudar famílias adotivas a refletir sobre o tema e a lidar melhor com a situação, a servidora Niva Campos, psicóloga e supervisora substituta da Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude, escreveu o artigo “Quando contar? Como contar?”.
“Conversar com a criança sobre sua história pode ser assustador e até doer, mas adiar essa tarefa para uma data, uma idade, pode provocar ainda mais dor e a quebra de confiança tão necessária entre pais e filhos”, afirma Niva Campos. Conforme a autora, ter a disponibilidade para essa conversa permanente com o filho vai possibilitar que a criança elabore a própria história
ÍNTEGRA DO ARTIGO:
QUANDO CONTAR? COMO CONTAR?
Será que as perguntas estão bem formuladas? Ou só aumentam a ansiedade de pais adotivos ao colocar um tempo e um modo (corretos) de revelar à criança a sua origem adotiva?
Trabalhando com famílias que adotam é possível sentir a ansiedade que o tema da revelação sempre provoca. 1 Há famílias que a adiam indefinidamente para o momento em que a criança possa entender. Mas, existe um tempo certo? Existe uma forma única e eficaz?
As histórias que levam à adoção são tão diversas e sempre tem pelo menos um elemento triste. Existe um modo de se evitar a dor que pode causar uma história triste? Meu filho está preparado para receber e elaborar sua história? As famílias querem preservar e proteger seus filhos e sabem que privá-los dessa história também não vai protegê-los. Muitos pais adotivos ficam aprisionados nesse impasse e não passam para a ação, adiando a conversa que vai ganhando cada vez mais o caráter de revelação. Paradoxalmente, adiar a história não protege a criança do sofrimento já que fica muito mais exposta ao preconceito social em relação à adoção. Preconceito que existe e é manifestado na escola, na família extensa, e nas relações sociais de um modo geral.
Dessa forma, voltamos às questões iniciais: quando contar, como contar?
Tanto na literatura especializada quanto no acompanhamento das famílias adotivas verificamos que álbuns de fotos e diários são ferramentas excelentes e já consagradas para se conversar com a criança sobre sua história de vida. São também momentos especiais as estórias de adoção 2 contadas na hora de dormir. Assistir filmes (Tarzan, Kung Fu Panda, Meu Malvado Favorito, A Família do Futuro, Annie, entre outros) com os filhos. Tudo isso cria um contexto favorável ao diálogo aberto com a criança sobre sua história, sobre a adoção, sobre a vida.
Eu proponho aos pais adotivos essa conversa permanente com a criança, aproveitando as “deixas” das estórias e filmes, além das do cotidiano, as perguntas da criança, as notícias de jornal e revistas. Não raro as crianças e pais adotivos são confrontados por comentários de coleguinhas e pessoas curiosas a respeito da adoção e/ou das diferenças físicas existentes entre a criança e seus pais. Muitas vezes tais comentários são uma verdadeira intromissão na vida privada dos pais e filhos adotivos. Alguns comentários chegam a ser ofensivos e preconceituosos. Percebo que não se consegue proteger os filhos dessa intromissão, então há que se preparar e se “imunizar” contra ela.
Como o pai e a mãe adotivos podem proteger seus filhos? Conversando com eles sobre sua história de vida, apoiando-os em suas dores, oferecendo um sentido para os acontecimentos, mostrando a esperança embutida nos novos rumos tomados. Mostrando que todos somos diferentes e temos histórias únicas. Valorizando a história do encontro e da formação da família com a chegada deles. E, se possível, mostrando que sempre estarão lá para ele ou ela, se de fato estiverem. Schettini Filho3 aponta que “a verdade é o fundamento de uma relação de afeto duradoura. A criança adotiva precisa ouvir a sua história para poder ouvir a si mesma. Por essa razão, não temos o direito de mutilar sua biografia.”
Como adultos, os pais adotivos devem se preparar para lidar com estas dores. Compreender e aceitar que toda história tem um pouco de dor, oferecer apoio e esperança, e acreditar que é possível amenizar o sofrimento envolvido. Sofrer junto, oferecer conforto, também fortalece os laços de pais e filhos. Os filhos podem aprender com seus pais e mães a lidar com as emoções negativas. Portanto, pais e mães, cuidem das suas emoções, aprendam com elas, o que elas querem lhes dizer, quais são seus limites e possibilidades. Trancafiar as emoções não vai ajudar em nada.
Conversar com a criança sobre sua história pode ser assustador e até doer, mas adiar essa tarefa para uma data, uma idade, pode provocar ainda mais dor e a quebra de confiança tão necessária entre pais e filhos. Ter a disponibilidade para essa conversa permanente vai possibilitar que seu filho elabore a própria história. Vai permitir que ele lembre, imagine, construa e cheque suas hipóteses (sobretudo com você porque você está disponível e é confiável). Essa elaboração é também um processo permanente e criativo de assimilação da própria história que se modifica ao longo do tempo de acordo com a maturidade da criança, que vai incorporando novas vivências e ideias, organizando e reorganizando memórias, criando hipóteses e alternativas para os acontecimentos vividos e vindouros.
Se para você, pai ou mãe adotivo, está muito difícil iniciar e manter esta conversação permanente, procure ajuda. Não adie a tarefa. Cada vez que fazemos isso, as coisas se complicam ainda mais. Procure ajuda na psicoterapia, nos grupos de apoio, nas leituras, na oração. Não se envergonhe de pedir ajuda. Ninguém é onipotente. Você não precisa ter todas as respostas. Ser pai e mãe é um desafio diário, mas você escolheu ser pai, ser mãe. A escolha dos pais tem um papel muito mais determinante na constituição da filiação adotiva do que na biológica. A natureza não lhe impôs essa criança, você buscou esse filho, você o escolheu.
Niva Campos, psicóloga e supervisora substituta da Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal
1 Dizer a verdade sobre a origem à criança adotada tem sido um desconforto, quando não um motivo de pânico, para alguns pais que incorporaram a parentalidade adotiva. É como se a verdade histórica revelada pudesse destruir o afeto entre pais e filhos. As dificuldades nas relações interpessoais poderão surgir muito mais pela manutenção dos segredos do que pela revelação da verdade. “Sem confiança, a convivência entre as pessoas se torna uma farsa e, por consequência, agressão e injustiça. Manter em segredo as coisas que estão ligadas à vida é decretar, aos poucos, morte e destruição” (Cf. Schettini). O não-dito torna-se uma crueldade. As relações entre as pessoas se deterioram muito mais pelo “não-dito” do que por aquilo que, às vezes, dizemos. Sem dúvida, a verdade não machuca quando vem acondicionada no afeto. (Schettini Filho, Uma Psicologia da Adoção. Publicado por Libertas. http://www.libertas.com.br/libertas/uma-psicologia-da-adocao/

2 Existem diversos livros infantis – ver as sugestões do site www.portaldaadocao.com.br

3 Luiz Schettini Filho. Uma Psicologia da Adoção. http://www.libertas.com.br/libertas/uma-psicologia-da-adocao/

http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2014/outubro/artigo-de-servidora-da-vij-aborda-quando-e-como-contar-sobre-adocao

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