domingo, 5 de outubro de 2014

JOVENS TÊM DIFICULDADE DE REINSERÇÃO


03.10.2014
Ao enfrentarem rejeição familiar e social, crianças com deficiência mental se tornam adultos em abrigos
Eles se tornaram invisíveis. Nasceram com o diagnóstico de deficiência mental e chegaram, a maioria ainda criança, ao Abrigo Desembargador Olívio Câmara (Adoc), único no Estado a acolher crianças, adolescentes e adultos com retardo mental e deficiências múltiplas associadas. As famílias preferiram fechar os olhos para eles - seja por rejeição ou por incapacidade de cuidá-los -e enquanto a sociedade finge não enxergá-los, só os monitores e funcionários da instituição parecem percebê-los.
A história de R.S, 43 anos, se repete o tempo inteiro dentro dos muros do Adoc. Chegou aos 11 anos, com deficiência mental profunda e dependência total, vindo do Interior. O agora senhor era um menino de Missão Velha, sem família, amigos e esperança. Já se passaram 32 anos e a vida dele continua a mesma. "Todos chegaram crianças ou adolescentes e foram ficando porque a família não os queria e porque a adoção é muito difícil nesse perfil. Hoje, temos 76 adultos e apenas 15 crianças e adolescentes", explica o assistente social Marcos Eugênio.
Adoção é uma palavra que quase não ecoa pelos corredores da casa. O perfil mais procurado dos pretendentes, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é de menina de até 4 anos, saudável, e sem irmãos. "Nós enfrentamos muitos obstáculos. Aqui, temos crianças maiores, jovens e adultos com problemas de saúde e muitos têm irmãos. Nosso trabalho é tentar manter vínculo com as famílias biológicas, pelo menos, para que eles possam receber visitas ou ir aos fins de semana", confessa Eugênio, que trabalha há seis anos no abrigo e só presenciou um caso de adoção. "Para piorar, 50% vêm do Interior. Como conseguimos manter um vínculo com uma família que mora longe?", completa.
DIAGNÓSTICO
O CNJ divulgou que em 2014, no Brasil, 5.586 crianças e adolescentes estão no Cadastro Nacional de Adoção. Dessas, 26,61% (1.263) tem problemas de saúde. 460 tem o diagnóstico de deficiência mental e tem suas chances diminuídas de ganharem um novo lar. Mesmo assim, no Adoc, os internos que possuem deficiência mental leve cultivam uma esperança de ganhar uma família.
N.R, 24 anos, sonha em morar com a mãe. "Eu gosto de ir pra lá. Quero morar com a minha mãe", diz entre sorrisos. A jovem passa fins de semana com a família, mas ainda não pode ir em definitivo porque precisa que alguém da família esteja sempre com ela. "A mãe quer ficar com ela. Mas ainda não pode parar de trabalhar. E N.R não pode ficar sozinha porque ela tem muitas convulsões. Ela é cheia de pontos por causa das quedas", diz a assistente social Kennia Jácome.
Para os funcionários, é difícil trabalhar sem tantas esperanças. É preciso se agarrar a qualquer possibilidade de inclusão. "Não podemos desistir. Porque se hoje não existe esperança de a família acolher um interno, algum dia, algo pode acontecer e isso mudar. Já conseguimos desligar um abrigado que estava há 14 anos aqui", relembra Kennia.
Se a inclusão na família é difícil, na sociedade é outro desafio. Eugênio explica que enfrenta dificuldades até na inclusão dos meninos nas escolas. "Queria poder tirá-los mais daqui. Mas é difícil", lamenta.
Enquanto o mundo não se prepara para recebê-los, o abrigo finaliza uma reforma - após dois anos - para proporcionar conforto, incluir lazer e também atividades esportivas e oficinas ocupacionais e profissionais. Ontem, o último equipamento da reestruturação, a academia de ginástica, foi entregue aos internos. A obra, reivindicação de anos, custou R$ 3,9 milhões.
Karine Zaranza
Especial para Cidade
A maioria dos que vivem hoje no Abrigo Desembargador Olívio Câmara chegou ao local ainda criança com retardo mental e deficiências múltiplas associadas. Uma das dificuldades é inseri-los nas escolas - FOTO: FABIANE DE PAULA
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/jovens-tem-dificuldade-de-reinsercao-1.1115152

Nenhum comentário: