sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Quando o tiro sai pela culatra




O instituto da adoção remonta aos primórdios da civilização e já teve inúmeros objetivos. Hoje a nova cultura da adoção prioriza, na forma do que disciplinam a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, a criança.
A criança é p único sujeito de direito que goza de prioridade absoluta, senão vejamos:

Constituição Federal
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

ECA
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (grifos nossos)

Tal prioridade, contudo, não é aplicada em inúmeros setores da sociedade e não nos cabe pontuar um a um, mas, apenas exemplificar: saúde, justiça e educação.
Focando na justiça, nosso principal interesse no momento, é inconcebível que as Varas da Infância e da Juventude continuem acumulando a competência do idoso, é algo insano e incompreensível.
Absurdo, ainda, que os prazos processuais não sejam cumpridos. Os processos de destituição do poder familiar que deveriam ter a duração máxima de 120 dias duram dois, três, quatro anos.
Os estudos técnicos que deveriam ser prioritários para a verificação da adequação da criança à família adotiva, dentre outras prioridades, são realizados em um anos ou dois da concessão da guarda provisória, sendo um verdadeiro afronta ao melhor interesse da criança.
Contudo, ponderemos sobre a realidade da justiça brasileira: as varas da infância não têm pessoal suficiente, isso quando têm equipes técnicas o que não é uma assertiva para todas as varas com tal competência.
Psicólogos e assistentes sociais vivem soterrados por milhares de processos e, o pior, em uma única entrevista é impossível aferir a capacidade psicológica do adotante para o exercício da parentalidade responsável.
Será que precisamos identificar culpados? Creio que não, pois, a questão é de PRIORIDADE CONSTITUCIONAL e não sabemos o que é prioridade para os Presidentes dos Tribunais de Justiça espalhados por esse enorme país.
Mas..., voltemos ao foco. Há anos atrás as adoções intuitu personae ocorriam desde que demonstrados os laços afetivos entre as parte, não houvesse indícios de intermediação e benefícios e o adotante já fosse devidamente habilitado r, principalmente, que através da adoção o melhor interesse da criança fosse atendido.
Com o advento da Lei nº 12.010/2009, erradamente denominada nova Lei de Adoção, os procedimentos ficaram quase que “engessados” e passaram a ser repudiados e negados por vários magistrados no Brasil.
As futuras famílias ficaram desesperadas, principalmente àquelas que sabiam da possibilidade da entrega de uma criança de forma consensual para adoção.
Alguns adotantes tiveram seus filhos arrancados em audiência, outros em 2 ou 3 anos da concessão da guarda provisória. O caos, literalmente, foi instalado.
Vários caminhos alternativos foram criados pela imaginação fértil de pessoas pouco ligadas à causa da adoção e ao verdadeiro objetivo do instituto da adoção, a saber:
1)    Crianças são entregues recém-nascidas, ficam 3 anos com a família adotiva – sem qualquer proteção ou direitos – e depois desse período os adotantes ajuízam o devido processo de adoção avocando o Inciso III, do § 13 do artigo 50, in verbis:
III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.
Obviamente estão equivocados, pois, a guarda de fato não se confunde com a guarda judicialmente concedida.
2)    Os adotantes homens adentram na maternidade como pais biológicos e registram a criança em seu nome e da genitora. Essa é uma das orientações mais absurdas que existem. A esposa chega feliz com o pseudofruto da traição do marido, apaixonada por aquela criança. Essa mentira será facilmente derrubada pelo Ministério Público ao requerer o exame de DNA da criança comprovando a ausência de paternidade.
Até entendo o desespero de quem atua dessa forma, mas é muita ingenuidade acreditar que a prática de tal crime seguirá incólume e que ninguém, jamais, descobrirá a mentira.
São vários casos similares surgindo Brasil afora, todas exatamente da mesma forma, pois, aparentemente a traição duplicou no Brasil e os homens casados estão escolhendo, sempre, mulheres praticamente hipossuficientes, muito humildes e de classe social totalmente diferente da sua.
Toda essa questão estaria sanada se alteração do ECA fosse feita incluindo a regulamentação da adoção intuitu personae, com a inclusão da obrigatoriedade da habilitação prévia e fundada em laços de efetividade ou afinidade entre as partes.
Infelizmente tanto o Legislativo – que não sabe priorizar leis, e não sabe redigir leis - , quando o judiciário e o ministério público não vocacionados, continuam a tratar crianças como objeto, transferindo-os como se coisas fossem, desconsiderando à inexistência dos laços afetivos existentes.
Se o legislativo tem medo que crianças sejam negociadas, que estabeleça parâmetros para tal possibilidade não exista e seja duramente punida.
O que não pode acontecer é a situação atual com o aumento desmedido de “pseudo” traições e com o retorno da malfadada adoção à brasileira que, inclusive, denigre a nossa cidadania, pois, brasileira é ilegal, é imoral, é menor.
Assim, o rigor exacerbado da 12.010/2009, a demonização da adoção consentida, o maldito engessamento à ordem do cadastro fez com que o tiro saísse, literalmente, pela culatra, aumentando o número de irregularidades e coisificando ainda mais a criança que, mais uma vez, não tem preservada a sua absoluta prioridade.
Silvana do Monte Moreira
Presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM
Diretora Jurídica da ANGAAD – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção

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