sábado, 8 de novembro de 2014

FRAGMENTOS DE VIDAS




Criança, 3 meses, colocada numa rodovia de alta circulação, numa temperatura de 40 graus, no asfalto, localizada nua, mordida de mosquitos e formigas, com o coto umbilical infeccionado, totalmente desidratada e faminta, sem lágrimas, sequer, para chorar.
Criança, 1 ano, jogada de um viaduto pela genitora bêbada e usuária de drogas.
Criança abandonada no hospital por 3 meses por genitora usuária de crack.
Criança jogada na parede pela genitora e com hematomas pelo corpo. Fratura de crânio.
Criança abusada sexualmente pelos parceiros da genitora que também abusava dos próprios filhos.
Criança abandonada reiteradamente pela genitora psiquiátrica que por inúmeras vezes a esqueceu na escola.
Criança abandonada sozinha às 3 horas da manhã, em um engradado, numa noite fria de inverno sem roupas apropriadas ou proteção.
Criança jogada em um sofá em chamas pela genitora bêbada. Teve queimaduras no dorso, braço e ruptura de tendão.
Criança localizada em um local sem água, imundo, fralda por trocar, sem qualquer alimento por mais de dois dias. Denúncias de vizinhos que a genitora saiu e deixou a criança sozinha e que a mesma chorava sem parar.
Crianças deixadas em ambiente imundo, sem alimentos, dormindo em pedaços de papel. Genitora psiquiátrica, sem apoio familiar que desaparece por dias ou semanas.
Alguns fragmentos de vidas que poderiam ter sido interrompidas com 3 meses, 5, 7 anos. Vidas que cessariam por negligência, maus tratos ou incapacidade dos genitores exercerem a parentalidade e assumirem a responsabilidade pela prole.
Poderia mencionar mais dezenas de situações, centenas de sofrimentos impingidos àquelas a quem o superior interesse deve ser atendido com prioridade absoluta: acriança.
O que todos esses fragmentos têm em comum?Crianças que foram disponibilizadas à adoção depois de esgotadas as possibilidades de reinserção familiar e depois de verificado que nenhum familiar, com o qual a criança mantinha laços de afetividade e afinidade, tinha possibilidade ou vontade de assumir a responsabilidade com a criança.
Outro ponto em comum: em todos os casos os genitores recorreram da decisão e lutaram para manter as crianças consigo sem qualquer alteração no estilo de vida que levavam. Em alguns casos familiares que nunca tinham visto as crianças tentaram obter a guarda para, de forma obtusa, entregá-las aos genitores que as negligenciaram.
O que pode ser feito? De que forma a Constituição Federal será, finalmente, respeitada?
Acreditamos que com algumas medidas básicas e já contempladas em leis, portarias, provimentos e resolução:
1)      Comprimento do prazo estabelecido no ECA para a concretização das ações de Destituição do Poder Familiar. ECA - Art. 163.  O prazo máximo para conclusão do procedimento será de 120 (cento e vinte) dias. 
2)      Cumprimento do prazo para colocação dos processos em mesa, nos casos de recursos, na forma do que determina o ECA: Art. 199-D.  O relator deverá colocar o processo em mesa para julgamento no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contado da sua conclusão.
3)      Equipar todas as varas da Infância e da Juventude com equipes técnicas (psicólogos e assistentes sociais) em número suficiente para atender a demanda da população.
4)      Investir em capacitação na área da infância para magistrados, equipes técnicas, ministério público e defensoria pública.

Medidas simples e todas já contempladas em lei e em normativos da Corregedoria Nacional de Justiça.
Como advogada sei que os direitos de litigar na justiça e à plenitude da defesa são garantido a todos, mas há de haver um limite para a infância não seja ceifada enquanto se aguarda o tramitar dos processos. Além dos prazos serem obrigatoriamente cumpridos é necessário que se estabeleça um processo diferenciado para a infância, não se pode aguardar o tramitar de agravos, embargos, recursos, apelações.
Outro ponto em comum nos fragmentos de vida: todas as crianças foram adotadas, todas já têm sentença e mais que isso: todas têm verdadeiras famílias, algumas no Brasil, outras no exterior.
Nós, famílias por adoção, não somos a última opção. Nós somos a ÚNICA OPÇÃO.

Silvana do Monte Moreira
Presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM
Diretora Jurídica da ANGAAD

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