sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Os sujeitos crianças diante da alienação parental.


Lenita Pacheco Lemos Duarte
Os divórcios e separações embora sejam, em certa medida, traumáticos, o modo como os interpreta e se pode abordá-los que ocasionará distintas consequências nas subjetividades dos ex-cônjuges e seus filhos, principalmente quando há disputas emocionais e judiciais em torno da guarda e convivência com a prole. Nessas situações se observam conflitos subjetivos que escapam ao ordenamento jurídico gerando questões complexas para os ex-cônjuges, assim como para os sujeitos crianças totalmente dependentes e vulneráveis quanto aos discursos e atos de seus pais e operadores jurídicos. Nos litígios familiares é possível constatar que a instituição da guarda unilateral tende a trazer sofrimento, angústia e distúrbios emocionais para os filhos quando um dos cônjuges, por diversos e inúmeros motivos, passa a evidenciar atitudes hostis e agressivas que inviabilizam o contato das crianças com o outro genitor, causando a situação de “alienação parental”. Como vem sendo apresentada atualmente na mídia e na esfera jurídica, a referida situação se caracteriza por uma ligação de acentuada dependência e submissão dos filhos ao genitor (pai, mãe ou um substituto) que detém sua guarda, dito “alienador”, o qual dificulta ou mesmo impede o contato entre o genitor "visitante" e àqueles, objetivando afastar e destruir o vínculo afetivo entre eles. Tal conduta é reforçada por falas depreciativas e humilhantes em relação ao genitor "não guardião", foco e objeto de sentimentos de ódio, ressentimentos e necessidade de vingança do guardião, o que contribui para fragilizar emocionalmente e diminuir a auto-estima das crianças, provocando-lhes medo, insegurança, inibições, e até horror em aproximar-se do "genitor alienado". Quando se iniciam disputas emocionais e judiciais em torno da guarda, muitas vezes associada à ideia de posse dos filhos, acirram-se os ânimos entre os ex-cônjuges, os quais se utilizam de diversos tipos de estratégias para provarem sua superioridade e poder, como ameaças e mecanismos de força para coagir o (a) outro (a) e, dessa forma, oprimem e agridem os que estão ao seu redor, sem medir os efeitos de suas atitudes e verbalizações, principalmente sobre a subjetividade das crianças. É como se fosse um campo de batalhas em que cada um dos ex-cônjuges tenta suplantar o outro colocado na posição de inimigo a ser vencido e, desse modo, declarar-se vitorioso, enquanto o outro vira um perdedor subjugado aos caprichos e desejos mais vingativos e tirânicos do "guardião". Em muitos casos, a prática da alienação parental se apresenta no cotidiano das relações parentais, quando alguns guardiões tendem a acreditar que têm um poder acima dos preceitos legais, manipulando situações e determinando o que deve ser feito ao filho e ao ex-parceiro, ignorando assim o que foi determinado judicialmente. Nas famílias recompostas e reconstituídas, com a formação de novas alianças afetivo-sexuais, os novos parceiros podem influenciar o guardião a humilhar e afastar o outro genitor das crianças e familiares, vistos como "adversários". Em geral, o desejo das crianças é juntar os pais separados, e os sentimentos delas com relação aos genitores são os mais diversos possíveis. Quando o genitor “alienador” passa a destruir a imagem do outro perante aos filhos, seja com comentários sutis, desagradáveis ou abertamente hostis, reforçado pelo apoio de familiares, novo cônjuge, advogados, amigos, entre outros, ele acaba por provocar insegurança, dúvidas e incertezas nos filhos, que precisam, muitas vezes, se calar, sufocando suas emoções e convicções com relação ao outro genitor, ainda amado, para não desagradar ou mesmo ferir o “guardião” que os mantém sob seu controle. Também podem passar a odiar e rejeitar o (a) “alienado”, repetindo as mesmas falas e reproduzindo os sentimentos do guardião “alienador”, considerando-o uma ameaça. É importante lembrar que o “alienador” ao abusar do poder parental, busca persuadir de todas as formas seus filhos a acreditarem em suas crenças, conseguindo impressioná-los e levá-los a se sentirem amedrontados e ameaçados na presença do “não-guardião”, levando-os a apresentar “falsas percepções e memórias”, ou seja, eles passam a acreditar nas falas mentirosas dos “alienadores” que têm o poder e representam a autoridade para aqueles que aceitam suas informações como verdades absolutas, o que deixará marcas em suas subjetividade. Nessa mesma direção, ocorrem as “falsas denúncias de abuso sexual” dos filhos levadas ao âmbito jurídico, que buscam bloquear os vínculos amorosos entre as crianças e o não guardião. Ao não verem mais o outro genitor e sem compreenderem as razões do seu desaparecimento, elas sentem-se abandonadas, traídas e rejeitadas, não querendo mais vê-los, e o pior, sentem-se também desamparados, precisando de atendimento psicológico. Nos litígios judiciais, em que as situações saem do âmbito particular, familiar e acabam submetidas ao controle e poder público do Estado, é possível encontrar certa confusão nos vínculos de parentesco e conjugalidade. Cabe ressaltar que a união conjugal pode ser desfeita, mas não se desfaz o vínculo filial. Em muitos casos, temos um sujeito criança/ adolescente numa situação difícil, ficando como “joguete, marionete” ou mesmo um “escudo ou troféu” nas relações conturbadas entre os genitores. Ele pode se sentir responsável pela separação ou divórcio dos pais ou então atribuir a culpa a um deles, não querendo mais vê-lo. Poderá ainda se sentir promovido a guardião dos pais ou, até mesmo, protetor e fiscal do pai ou da mãe, além de apresentar angústia e conflitos de lealdade que podem desencadear várias reações sintomáticas, como inibições intelectuais, agressividade, depressão, fobias, somatizações, entre outras. Como os pais querem vencer, em geral, não se importam com as ”armas” desse embate, e é nesse fogo cruzado que se encontram as crianças que, sem condições de entenderem o que se passa entre seus pais, são colocadas como vítimas, testemunhas e protagonistas de histórias familiares que não escolheram, e que as fazem sofrer. Embora nem sempre necessariamente consciente, o processo de “alienação parental” por parte do guardião pode facilitar o uso perverso das crianças em diversos processos litigiosos, afastando-as do não guardião e outros parentes. Quando os ex-cônjuges entram em conflitos e assumem posições inflexíveis e atitudes de vingança usando os filhos como objetos, acabam por comprometer os vínculos afetivos paterno-filiais que causa mal-estar e angústia para a criança/adolescente. Nessa direção, chegou oportunamente ao ordenamento jurídico a Lei 12.318/10, que dispõe sobre a Alienação parental. Esta traz em seu conjunto possibilidades específicas de regramento e instrumentos que auxiliam a inibir e punir o alienador parental. O legislador se refere à alienação induzida por um dos genitores ou substitutos que efetivamente impedem a convivência entre os filhos e o outro genitor e a família deste. Ao destacar exemplos genéricos de alienação parental, a norma releva o poder discricionário do juiz que poderá identificar e apontar vários atos percebidos no contato com as partes e/ou constatados por perícias interdisciplinares relativas à alienação parental. A título de exemplo, além das situações descritas anteriormente, somam-se outras, como a omissão deliberada ao não guardião de informações pessoais relevantes sobre os filhos, inclusive médicas, escolares - embora esta última tenha sido regulamentada -, alterações de endereços, mudança de domicílio para local distante, sem justificativa, sempre com o mesmo objetivo, ou seja, dificultar a convivência entre as crianças e o genitor alienado, seus familiares e amigos. O novo dispositivo destaca que a prática, cada vez mais utilizada, de alienação parental provoca a exposição da criança/adolescente à violência psicológica, seja praticada no meio familiar ou pela sociedade, ferindo os direitos fundamentais daqueles, como o direito à integridade física, mental e moral e à convivência familiar, todos de suma importância para o desenvolvimento harmonioso daqueles. Nesse sentido, o direito à convivência familiar (art. 227, Constituição Federal/1988) na ordem constitucional do Brasil impõe primordialmente ao Estado, ao lado da família e da sociedade, o dever de garantir aos filhos o referido direito. Para corroborar esse direito, a utilização de técnicas de mediação familiar pode ser muito útil nos casos em que há alienação parental, ao facilitar a comunicação e cooperação entre os ex-cônjuges, com a tomada de consciência que cada um possui de seus interesses e necessidades, ouvindo o outro em um clima de empatia e cordialidade, com chances de se obter acordos conjuntos, possibilitados pela presença de um mediador experiente e aceito por ambos os participantes. A Lei n° 11.698/2008, que introduziu o instituto da Guarda Compartilhada, tão debatida e requerida por vários anos por associações de pais, profissionais de várias áreas do saber, enfim, pela sociedade civil que, mesmo mantendo a guarda unilateral, veio para destacar e reforçar a convivência familiar dos filhos após a separação dos pais, e a igualdade de direitos e obrigações destes quanto às decisões sobre os filhos, que deve ser conjunta, mesmo quando há litígio. Tal ressalva tem como objetivo acabar com os atos abusivos e a manipulação do poder que costuma ter o guardião na guarda unilateral, o qual desconsidera a criança como sujeito de direito e desejo. 
 
http://www.institutoproteger.org/article-preview/2 

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