segunda-feira, 12 de março de 2018

Casais homossexuais podem adotar no Brasil? (Reprodução)

No fim de 2015, o Parlamento português aprovou uma lei que autoriza a adoção de crianças por casais gays e a notícia logo foi comemorada por diversos setores da sociedade. O assunto também está em pauta no Brasil, especialmente após a divulgação do projeto de lei do Estatuto da Família, que tem por objetivo definir a entidade familiar como aquela composta entre um homem e uma mulher.
Por outro lado, levantam-se bandeiras para que haja uma regulação legislativa a esse respeito, a favor de uma lei específica que autorize a adoção por casais do mesmo sexo aqui no Brasil.
Mas afinal, na atual situação jurídica do nosso país, os gays podem adotar no Brasil ou não? É necessário a criação de uma lei a esse respeito?

Quem pode adotar no Brasil?

A adoção no Brasil ocorre por processo judicial e é regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90), o qual estabelece requisitos objetivos e subjetivos para que alguém possa adotar uma criança ou um adolescente.

Quais são esses requisitos objetivos?

1. Ter, no mínimo, 18 anos de idade, independentemente do estado civil (sim, os solteiros também podem adotar);
2. Ter uma diferença mínima de 16 anos em relação ao adotado;
3. Não ser irmão nem ascendente da criança ou adolescente que será adotado;
4. Para que duas pessoas adotem conjuntamente, devem ser casadas ou viverem em união estável, comprovada a estabilidade da família.
Além dos requisitos objetivos, profissionais da psicologia e assistência social, que intervirão de maneira obrigatória em todos os processos adotivos, também avaliarão se os pretendentes à adoção atendem requisitos subjetivos de exercer uma paternidade ou maternidade responsável (artigo 197-A, ECA), à luz de todos os princípios que regem a legislação infanto-juvenil.
O ECA não aponta de maneira explícita o que seria uma paternidade/maternidade responsável, mas, em uma interpretação sistemática de seus artigos, podemos extrair que será toda aquela que proporcione o atendimento das necessidades afetivas, morais e materiais da criança ou adolescente.
No que se refere ao requisito objetivo nº 4, apontado acima, significa que dois irmãos ou dois amigos, por exemplo, não podem juntos adotar uma criança: é necessário que os futuros pais sejam casados ou vivam em união estável. Neste último caso devendo comprovar a estabilidade da família, uma vez que a união estável, ao contrário do casamento, que se prova pela certidão do registro, é uma situação fática, pública, contínua e duradoura, dispensando o registro e provando-se por diversos meios admitidos em lei.
E os homossexuais também podem adotar?
O Estatuto da Criança e do Adolescente não faz qualquer menção à orientação sexual como um fator a ser considerado no processo de adoção e nem cita que a futura família da criança deva ser composta por pais de gêneros diferentes.

Como vimos, desde que os homoafetivos atendam aos requisitos estabelecidos pelo Estatuto e demonstrem condições psicológicas e sociais de serem bons pais ou boas mães, não há qualquer impedimento.

Desde maio de 2011 é reconhecida a união estável entre pessoas do mesmo sexo no Brasil a partir de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que entendeu que a definição de família como união de um homem e de uma mulher em nossa Constituição não exclui as outras formas de afeto existentes.

A partir de 2013, também se tornou possível que pessoas do mesmo gênero se casem, após o Conselho Nacional de Justiça editar a Resolução nº 175/2013, que impede que cartórios se recusem a celebrar casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo território nacional.

Antes disso, quando a união homossexual não era juridicamente reconhecida como entidade familiar, muitas vezes se negava a adoção por estes casais sob a alegação de que a dupla não vivia em união estável, nem era casada, requisito essencial estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Atualmente, entretanto, após a equiparação de direitos das uniões homoafetivas com as heteroafetivas, a controvérsia sobre a constituição ou não de casamento ou união estável desaparece, tornando-se possível que os homossexuais atendam todos os requisitos objetivos estabelecidos pelo Estatuto.

Em relação aos requisitos subjetivos, como já dito anteriormente, o ECA limita-se a estabelecer que a criança ou o adolescente deverá ser colocado em ambiente familiar adequado e que os futuros pais apresentem uma paternidade/maternidade responsável, sem mencionar que a composição do casal por pessoas de mesmo gênero seja, de alguma forma, uma característica desabonadora para a medida ou prejudicial para a criança.

CONCLUINDO…


O Estatuto da Criança e do Adolescente tem por objetivo verificar a qualificação e capacidade para adotar, estabelecendo um necessário rigor na análise dos futuros pais, tanto hétero quanto homossexuais, sempre com o interesse de resguardar o melhor interesse da criança, sem que a orientação sexual seja um fator favorável ou desfavorável ao deferimento da medida.  
E nem poderia ser de outro modo, uma vez que a experiência cotidiana demonstra que a orientação sexual em nada garante o bom exercício de uma parentalidade, tendo em vista que todas as crianças colocadas à adoção estão nesta situação porque os pais, heterossexuais em sua maioria, não puderam exercer de maneira satisfatória o encargo da maternidade ou paternidade responsável!
Não é raro ouvir-se vozes contrárias a esta modalidade de adoção, afirmando que a futura criança seguirá a mesma orientação sexual dos pais – como se a homoafetividade fosse uma característica desabonadora -, mas a psicologia, até o momento, jamais indicou qualquer malefício ao desenvolvimento de um filho que foi criado por pessoas de mesmo gênero.
Igual situação se dá com as crianças ou adolescentes que são criados exclusivamente pela mãe e pela avó, apenas pelo pai, pelo irmão e avô, sendo infinitas as possibilidades de constituição familiar, nem sempre compostas por uma figura masculina e outra feminina conjuntamente.
E enquanto se levantam críticas desprovidas de bases científicas a este respeito, milhares de crianças brasileiras aguardam, na frieza institucional dos abrigos, por uma família que lhe proporcione afeto e cuidado.
Por isso, entendo que no Brasil não é necessária a edição de uma nova lei que autorize de maneira explícita a adoção por casais homossexuais, já que, pela atual dinâmica do Estatuto da Criança e do Adolescente e após o reconhecimento jurídico da união homoafetiva desde 2011 pelo STF, esta modalidade de adoção já é perfeitamente autorizada.


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